O Game Porting Toolkit da Apple tem sido uma ferramenta útil para desenvolvedores que querem trazer seus jogos para o macOS, mas ainda há um longo caminho pela frente. Em entrevista ao podcast MacGameCast, segundo Nat Brown, ex-engenheiro de software da Apple e veterano da Microsoft e Valve, a empresa precisa resolver alguns desafios fundamentais para realmente atrair mais desenvolvedores de jogos para o Mac.
Hardware nunca foi o maior problema
Brown entrou para a Apple em 2019, antes mesmo da chegada dos chips Apple Silicon. Ainda assim, ele já via sinais de que a empresa estava caminhando para criar seu próprio hardware de alto desempenho. Internamente, muitos acreditavam que a limitação dos jogos no Mac era culpa do hardware, mas Brown não concordava.
Com sua experiência na Valve, ele via estatísticas que indicavam outro problema: a falta de otimização dos jogos para macOS. Os Macs da época usavam os mesmos chips Intel dos PCs com Windows e, mesmo assim, o desempenho nos jogos era inferior. Para Brown, a questão não era o hardware, mas sim o software e a estratégia de mercado da Apple.
“O problema não é o hardware. São os jogos e o foco em marketing.”
A Apple não se posicionava como uma plataforma de games e, com isso, os desenvolvedores não investiam no Mac. Além disso, muitos dentro da empresa tinham a ideia errada de que otimizar um jogo significava apenas convertê-lo para a API Metal. Brown argumentava que o verdadeiro problema era o desconhecimento das boas práticas ao portar jogos para o Mac.
Ele lembra que muitos jogos rodavam mal simplesmente porque os desenvolvedores não ajustavam a resolução para telas Retina, renderizando quatro vezes mais pixels do que em um notebook com Windows. Segundo ele, ao invés de orientar os estúdios a reduzir a resolução, a resposta dentro da Apple era: “Queremos que os jogos rodem na resolução máxima da tela.” Para Brown, essa abordagem ignorava as limitações de processamento e dificultava ainda mais a adoção da plataforma.
Game Porting Toolkit: uma solução parcial
O Game Porting Toolkit (GPTK) foi criado para ajudar na transição de jogos do Windows para macOS, mas enfrenta dificuldades devido às múltiplas camadas de abstração dos motores gráficos.
Engines como Unreal Engine e Unity introduzem seus próprios sistemas sobre a camada gráfica do GPU, que, por sua vez, se conecta ao código que interage com o CPU. Além disso, esses motores usam shaders personalizados e pluginsque precisam ser interpretados corretamente pelo GPTK, tornando o processo de adaptação mais complexo.

Brown cita um exemplo: muitos jogos rodam devagar no Game Porting Toolkit porque aplicam efeitos gráficos desnecessários em toda a tela, como oclusão de ambiente e efeitos de iluminação. Isso pode passar despercebido em PCs com GPUs potentes, mas se torna um gargalo nos chips Apple Silicon, que utilizam uma arquitetura tile-based deferred rendering (renderização diferida baseada em blocos).
A renderização direta é a padrão – você renderiza cada triângulo na tela, um após o outro, usando qualquer shader de qualidade total que você precisar. Isso tem a vantagem de ser simples. Desvantagem: sobreposição. Se você desenhar vários triângulos um em cima do outro, estará desperdiçando muito esforço.
A renderização diferida é uma forma de evitar isso. Sua primeira passagem, onde você renderiza cada triângulo na ‘tela’, apenas envolve inserir os dados brutos em um buffer do tamanho da tela. Então você gravará pelo menos a cor do pixel, a normal, a posição z e outras informações que o shader precisa.
Então você pega esse buffer e, essencialmente, o renderiza como se fosse um único triângulo ‘renderizado diretamente’ com textura. Você usa os shaders apropriados e pega informações do buffer sobre como cada pixel deve ser.
Vantagem: sem sobreposição. Cada pixel na tela recebe seu processamento de iluminação final exatamente uma vez. Desvantagem: você precisa de um buffer muito grande e um único “uber shader” para fazer todo o processamento final. Existem algumas técnicas que você não pode fazer dessa forma, objetos transparentes são difíceis de lidar e, em geral, é muito trabalho.
Além disso, Brown aponta que o GPTK carece de ferramentas para facilitar a integração com os fluxos de trabalho dos desenvolvedores. Ele lista algumas ausências que dificultam a adoção da plataforma:
- Não há suporte para migrar projetos do Visual Studio para o Xcode de forma simples;
- O GPTK não auxilia na integração contínua, dificultando a compilação de jogos para macOS em ambientes automatizados;
- Não há ferramentas para facilitar o teste e otimização de performance dentro do ecossistema Apple.
Brown acredita que essas melhorias poderiam tornar o GPTK mais atraente para os estúdios, mas que não parecem ser prioridades da Apple.
O desafio de transformar o Mac em uma plataforma de games
Além das limitações técnicas, Brown vê um desafio maior: a comunicação da Apple com a indústria de games. Ele compara a abordagem da empresa com a de grandes players do setor, que investem em parcerias, marketing agressivo e títulos exclusivos para fortalecer suas plataformas.
“Se uma grande empresa quer entrar no mercado de games, ela chega dizendo: ‘Vou criar novos recursos, investir pesado em marketing e garantir 25 grandes títulos no lançamento.’ Mas essa não é a mensagem que a Apple está passando.”
A Apple argumenta que o Mac tem um grande mercado potencial, mas não faz investimentos significativos para provar isso aos estúdios. Enquanto conseguiu convencer empresas como CD Projekt Red e Capcom, Brown destaca que nenhum desses jogos realmente teve sucesso comercial no Mac.

Uma exceção pode ser a Kojima Productions, que se beneficiou do anúncio de Death Stranding 2 logo após lançar a versão original do jogo para iOS. Mas, no geral, a Apple ainda não conseguiu criar um histórico sólido de sucesso no setor.
Brown sugere que a empresa poderia se comprometer com um plano de longo prazo, investindo consistentemente em lançamentos e marketing:
“Se a Apple dissesse que, pelos próximos cinco anos, a cada quatro meses, lançaria um novo lote de jogos com campanhas de marketing conjuntas, isso poderia criar demanda real.”
No entanto, ele vê um problema na estratégia publicitária da Apple: a empresa só promove a si mesma, e não os jogos disponíveis para suas plataformas.
“Quando um console lança uma campanha, o foco está nos jogos. Já a Apple faz comerciais sobre a Apple. No anúncio do iPhone 16, por exemplo, mostraram Honkai Star Rail, mas quem não conhecia o jogo provavelmente nem percebeu. A Apple não sabe como vender jogos, apenas seus próprios produtos.”
Para que o Mac realmente se torne uma plataforma de games viável, a Apple precisaria mudar essa abordagem, investir mais no desenvolvimento de ferramentas, e criar um ecossistema que atraia estúdios e desenvolvedores de forma sustentável. Até lá, o Game Porting Toolkit segue como um passo importante, mas longe de ser a solução definitiva.