Antes de falarmos sobre o Mac 512, vamos dar um pouco de contexto! Estamos nos anos 80, uma época ousada e cheia de desafios, quase como um verdadeiro faroeste tecnológico. O cenário? O Brasil da Reserva de Mercado da Informática – um lugar onde as regras eram escassas e a criatividade precisava dar um jeito de superar as limitações.
Naquela época, a microinformática estava se popularizando rapidamente. Na Europa, empresas como Sinclair e Amstrad produziam computadores acessíveis para os primeiros entusiastas da tecnologia. Nos EUA, máquinas como o Commodore PET, o lendário Commodore 64, TRS-80, os Ataris e o Apple II dominavam o mercado dos hobbistas, enquanto a IBM, com o XT e depois o AT, conquistava o mundo corporativo.
Nesse cenário, em 1984, nasceu a Lei Federal nº 7.232/84, a infame Reserva de Mercado de Informática. A ideia parecia boa no papel: barrar a importação de software e hardware estrangeiros para fomentar uma indústria nacional forte e independente.
Mas conhecendo o brasileiro, a Lei de Gerson e o famoso Jeitinho™, o resultado foi previsível. Em vez de investir em inovação, a suposta “indústria nacional” virou uma gigantesca linha de montagem de cópias. Computadores não eram apenas clonados, eram xerocados.

O TK90X? Um ZX Spectrum da Sinclair, só que com um adesivo brasileiro – até o arco-íris decorativo foi copiado. Os MSXs seguiram a mesma lógica, e a Unitron chegou a fazer um clone do Apple II praticamente idêntico ao original.

No mercado dos 386, a arte de copiar estava no seu auge. O intervalo entre os lançamentos internacionais e suas versões nacionais era tão preciso que dava para ajustar o relógio por eles.
Enquanto isso, empresas estrangeiras eram barradas do Brasil sempre que existisse um “similar nacional”. A Microsoft, por exemplo, travou uma batalha contra uma empresa brasileira que desenvolvia um sistema operacional misteriosamente parecido com o DOS. Curiosamente, suas atualizações saíam apenas algumas semanas depois das do original.
Esse sistema tinha um bug particularmente divertido: quando aparecia o prompt “Deseja Continuar? (S/N)”, pressionar “S” não fazia nada. Mas se o usuário apertasse “Y”, continuava normalmente. Coincidência? Talvez não.
Em 1984, a Apple lançou nos EUA o revolucionário Macintosh – e ele logo chamou a atenção de muita gente, inclusive da Unitron, uma empresa brasileira especializada em clonar Apples.
No mesmo ano, apresentou o Unitron Mac 512 na FENASOFT, mas com um detalhe curioso: os computadores estavam estrategicamente posicionados no meio de um laguinho, impedindo que qualquer curioso chegasse muito perto. Um deles estava aberto, desmontado, enquanto o outro rodava demonstrações. O prazo era apertado demais para um clone funcional, então o consenso é que o único que funcionava era um Mac da Apple disfarçado de Unitron Mac 512.
Determinada a criar sua própria versão, a Unitron conseguiu importar alguns Macs e começou a estudá-los. Em 1985, fez uma proposta de financiamento à Secretaria Especial de Informática (SEI) e garantiu uma verba de US$ 10 milhões (o equivalente a US$ 25 milhões em 2021). Além disso, teve acesso a um laboratório governamental para dar suporte ao projeto.
A confusão era compreensível – afinal, a Unitron copiou o design do Macintosh nos mínimos detalhes.


Com a verba governamental garantida, a Unitron seguiu firme no projeto – e é inegável o mérito dos seus engenheiros. Eles embarcaram em uma missão digna de Hércules: fazer engenharia reversa nos chips proprietários da Apple. Um trabalho insano, tedioso e interminável, mas depois de meses quebrando a cabeça, conseguiram mapear o funcionamento dos componentes e projetar chips capazes de replicá-los.
Em 1986, na nova edição da FENASOFT, a Unitron finalmente colocou vários protótipos do Mac 512 à disposição do público.

O Macintosh foi um dos primeiros computadores a usar disquetes de 3½ polegadas, enquanto o resto do mundo ainda usava os de 5¼. A Unitron conseguiu importar quase todos os componentes necessários sem grandes dificuldades, mas aí entrou em cena um burocrata mal-humorado – provavelmente sem a menor ideia do que estava fazendo, mas com a carteirada certa – que decidiu que não havia necessidade de importar os drives de 3½.
A justificativa? O Brasil já tinha uma “robusta” indústria nacional produzindo drives de 5¼. Afinal, se mãe é mãe e paca é paca, drive é drive, né?
O problema óbvio: um Mac simplesmente não tinha como rodar com um drive desses. A Unitron reclamou, brigou, implorou, mas no fim, a única saída foi fabricar os próprios drives – um desafio técnico e financeiro gigantesco para uma empresa com menos de 100 funcionários.
Enquanto isso, do outro lado do mundo, a Apple estava espumando de raiva. A ideia de ter sua propriedade intelectual descaradamente clonada deixou o pessoal de Cupertino com sangue nos olhos.
De um jeito que até hoje ninguém sabe explicar, a Apple conseguiu colocar as mãos em alguns Macs 512 da Unitron. Seus engenheiros abriram as máquinas, examinaram cada detalhe e queimaram neurônios tentando entender como tinham sido copiadas.
Até que… BINGO!
A ROM do Unitron Mac 512 era virtualmente idêntica à do Macintosh original


Isso não era novidade no Brasil. Em 1983, a Sinclair tentou processar a Microdigital por copiar a ROM do ZX80 e ZX81 e usá-la descaradamente nos TK83 e TK82-C. Mas, como sempre, um juiz entrou na jogada e decidiu que software não se enquadrava em direitos autorais. Resultado? A Microdigital ganhou a causa, e a Sinclair ainda teve que pagar as custas do processo. Depois dessa, desistiram de brigar.
Aliás, a Microdigital era craque nessa arte. Quer uma prova? Dá só uma olhada no nome do selo de software da empresa:

Ah, e de quebra, a imagem também respondia à pergunta: como era a logo da Microsoft nos anos 80?
Percebendo que um processo judicial no Brasil não daria em nada, a Apple decidiu partir para outro plano. Juntou forças com Microsoft, IBM e outras gigantes para pressionar o governo dos EUA a agir contra a pirataria digital. Em 1987, já na era Sarney, os EUA ameaçaram o Brasil com sanções econômicas caso nada fosse feito para conter a clonagem desenfreada de tecnologia.
Como sempre, a corda arrebentou do lado mais fraco. A SEI encontrou algumas tecnicalidades para negar a licença de comercialização do Mac 512, e a Unitron ficou encalhada com 500 unidades prontas, sem poder vendê-las – além de um rombo financeiro gigantesco.
Mais tarde, descobriu-se que o sistema operacional do Mac 512 era basicamente o MacOS traduzido.
Há rumores de que a Unitron tentou recuperar parte do prejuízo vendendo os planos dos chips para uma empresa de Taiwan, mas a Apple foi rápida e conseguiu barrar o projeto antes que outro clone surgisse.
Curiosamente, anos depois, a própria Apple experimentou um modelo de licenciamento de clones, no qual vendia as placas-mãe para terceiros fabricarem suas próprias versões de Macs. Mas quando Steve Jobs voltou ao comando, tratou de cancelar essa ideia rapidinho.
A Reserva de Mercado seguiu firme até 1991, deixando um rastro de atraso na nossa indústria, no mercado e na sociedade como um todo. O legado? Aberrações como o uso abusivo de Clipper e dBase – tecnologias que, inacreditavelmente, ainda sobrevivem em lojas de ferragens e sistemas de consultórios.

Nunca desenvolvemos uma cultura Apple no Brasil. Os poucos Macs que circulavam eram fruto de contrabando, e os “similares nacionais” raramente eram 100% compatíveis. Nossos PCs custavam uma fortuna, e a indústria de software praticamente não existia, já que quase tudo era pirateado e, quando muito, traduzido nas coxas com um editor hexadecimal.
Levamos anos para começar a criar soluções genuinamente nacionais, como o curioso Carta Certa – um editor de textos que, sem querer, inventou o HTML uns dez anos antes do CERN. Toda uma geração teve que correr atrás do prejuízo quando, finalmente, PCs e softwares estrangeiros se tornaram acessíveis por aqui.
Mas talvez o pior de tudo tenha sido o desperdício de talento. Quantos engenheiros brilhantes passaram anos apenas copiando, quando poderiam estar inovando? Em vez de criar algo revolucionário, tiveram que se dedicar à clonagem.
Fontes: Cult of Mac: Meet the Unitron Mac 512 – the World’s First Macintosh Clone / Meio-bit